Música digital: o que ainda falta?


A Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) divulgou na última semana relatório sobre as receitas do mercado global de música. E pela primeira vez, a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) informou suas estatísticas seguindo a mesma metodologia do IFPI, pela qual é estimado o mercado total de música gravada, incluindo o setor independente.

A América Latina foi a única região do mundo com crescimento no mercado fonográfico (+7,3%). No mercado europeu houve pequena variação negativa de 0,2%. Na América do Norte e na Ásia houve redução nas receitas de 1,1% e 3,6%, respectivamente.

Enquanto mundialmente as vendas físicas de música caíram 8,1% em 2014, as receitas da área digital cresceram 6,9%, e já representam 46% das vendas mundiais. O resultado decorre principalmente do bom desempenho do segmento de subscrição para acesso à música por streaming, que já representa 23% do mercado digital global, com 39% de crescimento em 2014. Segundo Paulo Rosa, presidente da ABPD, esse tipo de serviço é a bola da vez no Brasil e no mundo, e a grande aposta da indústria para os próximos anos.

"Já se encontram em operação no Brasil os principais operadores mundiais do mercado de streaming on demand, como Spotify, Deezer, Rdio, Napster e Google Play. Espera-se para breve o lançamento de serviços similares de grande porte, como os do YouTube e o da Apple. A sinergia entre o mercado de streaming, as operadoras de telefonia móvel e o uso crescente de smartphones com acesso à internet criam condições mais do que favoráveis para que este setor continue crescendo significativamente", afirma.

Receitas com música digital já representam 48% do total combinado físico + digital no Brasil. O mercado nacional registrou em 2014 aumento em suas receitas de 2%, impulsionado pela área digital, em grande parte justamente devido ao segmento de streaming de áudio e vídeo remunerados por subscrição, mas também por publicidade.

Pela segunda vez em cinco anos, o recuo do mercado físico de música (-15%) foi compensado pelo crescimento nas receitas digitais (+30%). O mercado de downloads pela internet cresceu 13% em 2014. Downloads de músicas avulsas e álbuns completos representaram 30%, telefonia móvel 19%, e serviços de streaming de áudio e vídeos musicais 51% das receitas com música digital no Brasil.

O total do mercado brasileiro de música gravada em 2014 é composto por vendas físicas de CDs e DVDs (R$ 236,5 milhões), receitas com música digital (R$ 218 milhões), direitos de execução pública (R$ 122,7 milhões) e de sincronização (R$ 4,5 milhões), totalizando R$ 581,7 milhões - um aumento de 2% em relação a 2013 (R$ 570,4 milhões).

68% das vendas de CDs são de repertório brasileiro, 31% de repertório internacional e 1% de música clássica. No caso dos DVDs, 72% são de repertório brasileiro, 25% de conteúdo internacional e 3% de música clássica. "Com algumas variações, o mercado de música gravada no Brasil e no mundo segue a mesma tendência dos últimos anos, com crescimento consistente nas receitas da área digital", conta Rosa.

Daqui pra frente - O crescimento das vendas de música em formatos digitais já estava previsto pelo mercado há algum tempo, afirma James Lima, diretor da Believe Digital Brazil. E a tendência é que esses números aumentem ainda mais. "Dependendo do território, o crescimento pode ser bem maior do que o publicado pela IFPI", diz. "O Brasil e outros países emergentes, por exemplo, têm uma capacidade de crescimento de 60% a 80% das vendas. Este resultado depende da inclusão digital e do acesso a melhores serviços de banda larga e mobile."

Marcos Chomen, da CDBaby - distribuidora digital de música independente com mais de 350 mil artistas no mundo -, concorda. "Estamos falando de tecnologia. Por exemplo, a passagem de telefone fixo para móvel se deu em pouquíssimos anos. Mas países como o Brasil têm mais dificuldade, pois nossa infraestrutura de internet é muito ruim, fato constatado ao sair dos grandes centros urbanos. Como fazer streaming com as bandas baixas que são entregues por aqui? Vai demorar mais, mas vamos chegar lá", acredita.

Lima completa que é preciso melhorar principalmente as opções de pagamento desses serviços, já que boa parte da população não tem cartão de crédito e/ou tem medo de usá-lo na web. Além disso, diz ele, é preciso trabalhar junto ao mercado (distribuidores, produtores, entidades de classe e players) para mudar o comportamento de consumo de música no país.

Para Chomen, os serviços de download e streaming estão fazendo um ótimo trabalho, entregando soluções com cada vez mais funcionalidades e novos modelos. O que falta, para ele, é justamente aumentar o consumo. "Repare que o relatório do IFPI indica 41 milhões de pessoas assinando serviços de streaming. Esse número é muito pequeno. Só o Netflix nos EUA tem mais de 30 milhões de assinantes. Portanto temos um espaço gigante para crescer e é o que todos esperam, pois com mais assinantes os serviços vão ganhar mais e consequentemente os artistas", afirma.

Há quatro anos a ONErpm tinha uma participação insignificante no mercado brasileiro, como conta o diretor brasileiro da distribuidora de música digital, Arthur Fitzgibbon. Hoje são mais de 22 mil artistas e 300 selos no país. "O mercado tem se adaptado rapidamente a todas as mudanças, mas como a evolução tecnológica é quase imediatista, é sempre certo que se pode fazer melhor a cada nova semana", analisa.

Se hoje existem dezenas de plataformas de streaming brigando pelo consumidor, ao mesmo tempo não há espaço físico para tantas. Por isso Fitzgibbon acredita que só sobreviverão aquelas que pensarem como empresas de música, e não somente de tecnologia. Que tenham uma curadoria preparada para cada mercado e não sigam simplesmente orientações de suas matrizes para destacar sempre os mesmos conteúdos mundialmente, que busquem produções locais e próprias (como a Netflix tem feito), realmente coloquem diferenciais e não sejam replicadoras de conteúdos de outras plataformas. "Apesar das plataformas venderam o 'acesso', o que realmente ainda vende é a música. Fica a critério do consumidor escolher o que será acessado.".

Chomen acredita que os consumidores de produtos digitais hoje são exigentes, mas não têm problemas de pagar um preço justo por um serviço de qualidade. "Se você comparar os serviços de streaming não vai perceber muita diferença, todos entregam praticamente o mesmo conteúdo e interfaces fáceis", diz. Nesse sentido, ele também aponta para a curadoria como diferencial. "O Pandora é a maior rádio internet no EUA e conta com mais de 600 pessoas no time, grande parte delas ouvindo e selecionando músicas. Como assinante, vou optar pelo serviço mais barato se o fornecedor de streaming me entregar o mesmo catálogo. Se é só para ouvir, porque pagar mais? Porém hoje, com a quantidade de música oferecida, quero descobrir novos sons e sugestões são bem-vindas."

Mas só sugerir um artista que se parece com outro não é o suficiente. Essas empresas, lembra Chomen, têm acesso aos perfis de cada consumidor nas redes sociais e podem descobrir muito de quem eles são. "É como um amigo meu que me conhece bem e me indica um novo artista para ouvir. São algoritmos sofisticados, mas que vão fazer a diferença nos serviços", aponta. E alerta: "Não podemos esquecer que estamos falando de empresas globais, portanto quem tiver mais fôlego financeiro vai sobreviver. Não tem como se destacar sem investimentos."

Outro desafio é que a diferença de modelo entre o serviço de streaming pago e o serviço freemium ainda é uma grande discussão mundial, lembra James Lima. E no que diz respeito ao Brasil, cada plataforma ainda terá que ser mais criativa para gerar interesse não só para o consumidor que já compra música digital, mas para toda uma parcela da população que ainda não sabe o que é streaming e desconhece a existência desses serviços. "Os players devem trabalhar a diversidade da nossa música e tentar atender todos os segmentos com editorial e divulgação que alcance todas as camadas sociais brasileiras", indica.

FONTE: Mônica Herculano (site www.culturaemercado.com.br)

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