Obrigado, mas não quero editar sua música

A interatividade está no ar. Em todos os âmbitos da comunicação e das artes, a palavra escrita ali na outra linha está presente. Tudo é interativo, participativo. Tem que ser. Sob pena de, supostamente, a audiência não aceitar ou não comprar a ideia de um programa, um evento, um filme ou um seriado sem que eles possam "meter o bedelho". As redes sociais estão aí também para ajudar nesta eterna busca pela participação do público. Mas e quando a interação vira intromissão??



Vinícius de Moraes talvez tenha sido o primeiro artista interativo da história da música mundial. Ele tinha um samba semi pronto, ia para o primeiro boteco e lá encontrava algum fã. Depois de uma biritas, o cara dizia alguma palavra que o poetinha gostava e pronto. Tava feita a interatividade. Vinícius chamava isso de "parceria", mas na real o pobre do sujeito nem sabia o que estava fazendo ali ao lado do compositor. E pior, devia deixar a conta para o Vinícius pagar. As décadas se passaram e os artistas parecem cada vez mais preocupados em ter a mão do público em seu trabalho.

Recentemente, o uruguaio Jorge Drexler deu mais um exemplo disso. Ele lançou músicas para serem editadas por usuários de um aplicativo de tablets e celulares. Inspirado na complexidade da letra de Construção, de Chico Buarque, o projeto prevê que o ouvinte escolha, a cada momento, que verso será cantado no instante seguinte. O disco, que na verdade são faixas liberadas aos poucos, foi produzido pensando nas plataformas digitais disponíveis. Bjork e Gilberto Gil já haviam feito algo parecido.


Porém, eu não quero editar a música de Jorge Drexler. Não quero escolher qual pedaço da letra virá logo depois de uma melodia. Quero fica empolgado com um novo lançamento do cantautor que vem do país com o nome de um rio. Quero ir atrás do disco, ouvir, refletir, escutar de novo, relaxar, ficar animado, enfim, ter todas as sensações que a música propicia ao ouvinte despreocupado em ser um co-autor. Não é meu direito interferir na obra do artista e nem dele me dar essa prerrogativa. É preocupante que a obra de arte, a inspiração do compositor, do cineasta, do roteirista, do dramaturgo ou do pintor tenha a interferência de "qualquer um". Obrigado Drexler, mas não quero editar tuas músicas.

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