Eu sou funcionário, ela é dançarina


Chico Buarque é o maior compositor da história da música popular brasileira. Sua obra é tão vasta e preciosa que ele fosse estrangeiro poderia ser um Cole Porter, um Bob Dylan ou, até mesmo, equiparado à dupla Lennon e McCartney. As músicas de Chico se confundem com a vida dos brasileiros. Cada ocasião, triste ou alegre, seja um homem ou uma mulher, magnata ou prostituta, tem a trilha sonora composta pelo carioca de olhos penetrantes e voz chinfrim. Atualmente, a minha vida se resume aos seguintes versos:

"O nosso amor é tão bom / O horário é que nunca combina / Eu sou funcionário, ela é dançarina / Quando pego o ponto / Ela termina / Quando abro o guichê / É quando ela abaixa a cortina"


Quando eu falo para alguém que trabalho a partir das três horas da manhã, logo a pessoa fica toda desconfiada sobre o que eu faço ou se surpreende por saber que não só os policiais, as putas e o garçons trabalham durante a madrugada. Enquanto eu bato cartão, o povo dorme em berço esplêndido. Quando eu vou pra cama dormir o sono dos justos trabalhadores, homens e mulheres estão em coletivos rumo ao local do ofício diário. Existe toda uma beleza em fazer o que outros, ou seja a maioria, não fazem. 

O super heróis mais bacanas dos quadrinhos sempre trocavam o dia pela noite. Sair de uma caverna para combater criminosos na calada da noite. O dia? servia para lamber as feridas e eventualmente dormir. O sono é para os fracos, já dizia o poeta. Aliás, a vontade de cair na cama e fechar os olhos profundamente é uma constante para quem deixa de lado o aconchego noturno e vai trabalhar na madruga. É dor que acompanha os atleta de alto rendimento. Não chega a prejudicar 100% o ritual dos afazeres, mas está sempre por ali, rondando os olhos mais desatentos. A lua que tanto embalou nossos romances é quem nos lembra de ficar acordado.


Existem desvantagens, é claro. A vida social sofre, a namorada sofre, a gente sofre. Não é mole ser diferente. É preciso abandonar compromissos na metade, beber menos durante a semana e saber a hora certa de dar o inevitável até logo, mesmo que seja bem antes do ideal. Nada que uns ajustes no relógio da vida e no biológico não resolvam. Aos seres noturnos operários dedico estas humildes palavras. Sigamos nós com nosso gloriosos ofícios noite a dentro, sejam eles editar matérias jornalísticas, servir bebuns que não querem voltar para a casa, zelar pela segurança de quem  não merece ou mesmo prover algumas horas de prazer a um desconhecido.

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