De Volta!!


Sim, como diria Chico Buarque: "Voltei a cantar"...ou seria voltei a bloggar ?? No importa! Eis um texto inédito de minha autoria. Uma resenha de um show inesquecível. Um espetáculo que até hoje mexe com meu senso crítico e minhas emoções. O dia em que vi um mestre da música Live in San Pablo.


"Bob Dylan: Eu estive lá"

Quando Bob Dylan deixou o palco do Via Funchal pontualmente á meia noite e dois minutos, os quase três mil presentes sabiam que dificilmente aquela lenda viva da música voltaria a pisar naquele solo novamente. Os sentimentos eram díspares. Ao mesmo tempo em que todos estavam extasiados pelo belíssimo show, a sensação de que nunca mais o cantor tocará abaixo da linha do Equador trazia um desconfortante sentimento de perda, de eternizar aquele momento, de torná-lo eterno. O próprio Dylan experimentou essa sensação nos versos de Forever Young: “May your heart always be joyful,May your song always be sung,May you stay forever young”. Desde que iniciou há 20 anos sua “Never Ending Tour” (Turnê sem fim) Dylan já fez mais de duas mil apresentações, numa média de 100 a cada ano em que dispõe a sair por aí desfilando seus clássicos e desafiando seus músicos com um set list diferente á cada noite e mudando radicalmente a maneira de interpretar suas canções.

O show iniciou pontualmente ás 22h de uma noite quente e estrelada em São Paulo. A terra da garoa cessou dois dias seguidos de chuva para recebê-lo. No palco, o exemplo de pontualidade. Na platéia, o exemplo do terceiro mundo: Pessoas chegando com mais de 20 minutos de atraso e ainda atrapalhando á aqueles que estavam sentados já curtindo o espetáculo. A última vez que Bob Dylan esteve no Brasil foi a dez anos, abrindo para os Rolling Stones na turnê “Bridges To Babylon”. Porto Alegre teve o privilégio de assistir o único show solo que ele realizou naquela excurssão. Em meio à viagem para Buenos Aires, Dylan subiu ao palco do Bar Opinião para uma platéia de felizardos. Antes Disso o cantor norte americano já havia tocado por aqui em 1990 e 1991.

A noitada iniciou com Dylan subindo ao palco acompanhado de sua banda, todos trajando ternos cinza e chapéu preto. Mais parecia um chefão da máfia acompanhado por seus capangas, prontos para metralhar qualquer um que se aproximasse de seu patrão. “Rainy Day Women # 12 & 35” foi à primeira rajada fulminante da noite. Logo em seguida a clássica “Lay, Lady, Lay” e “I´ll Be Your Baby Tonight”, todas canções da década de 60 e as únicas em que Bob tocou guitarra. Uma dor nas costas que há anos o aflige, é a responsável pela troca da guitarra elétrica pelo teclado. Agora Dylan faz um estilo Jerry Lee Lewis mais comportado, sem deixar de dançar timidamente á frente do instrumento. Após a nostalgia, o poeta tocou músicas de seus álbuns mais recentes como “Love Sick” – do ótimo Time Out of Mind (1997) – “Rollin´ and Tumblin´” e “Spirit Of Water”, ambas do mais recente e elogiado Modern Times (2006).

Bob Dylan é um homem que não gosta de jornalistas. Raramente dá entrevistas e é protegido por um círculo furioso de amigos e familiares, que certa vez contou com o escritor gaúcho Eduardo Bueno, o Peninha. Sua última entrevista foi registrada especialmente para o documentário No Direction Home, do diretor Martin Scorsese. Uma de suas exigências é que não façam fotos em close de seu rosto. Outra é não permitir telões em seus shows. Como bom geminiano, nascido em 24 de Maio de 1941, Dylan é uma metamorfose ambulante. As resenhas sobre o primeiro show no Brasil, no dia 5, davam conta de que o homem não estava lá muito bem humorado o que resultou no corte de vários sucessos do repertório da apresentação. No outro dia, Dylan sorriu pra platéia, brincou constantemente com a banda e ainda agraciou os fãs com canções que muitos já não tinham esperanças de que ele apresentasse. Não tente entende-lo, geminianos são assim.

Um dos pontos altos da apresentação foi “Highway 61 Revisited”. A banda de Dylan aumentou o peso, acelerou o andamento e fez o chefe rebolar numa versão fantástica da canção que batiza o álbum de 1965. A cada salva de palmas da platéia, o mestre curvava-se a seus súditos e deu boas gargalhadas com seus comparsas Don Herron (slide guitar, violino, pedal steel, banjo elétrico, e lap steel), Denny Freeman (guitarra), Tony Garnier (baixo), Stuart Kimball (guitarra) e George Recile (bateria). Meia luz, adrenalina controlada e a voz rouca e esganiçada começa a soltar os versos doces de “When The Deal Comes Down”, para logo em seguida acelerar um pouco “Tangled Up In Blue” e rechear de peso e dar brilho á última canção do mais novo disco, “Ain´t Talking”.

Os menos atentos talvez não tenham percebido a presença da estatueta do Oscar sobre um dos amplificadores de Bob Dylan. Lá estava ela reluzente e virada de frente para a platéia como um sétimo elemento do grupo de músicos que tocava logo a seu lado. Dylan ganhou o prêmio em 2001 pela canção “Things Have Changed”, tema do filme Garotos Incríveis, que, aliás, ele não executou no show. “Like A Rolling Stone” ele não poderia deixar de tocar e este foi o momento em que a platéia mandou ás favas todo o bom comportamento e contemplação pelo ídolo e se pôs a dançar e gritar histericamente, relembrando os bons tempos da Dylan mania. Em meio ao famoso refrão, uma garota subiu ao palco para tentar beijá-lo, mas foi impedida pelos seguranças. A cena deixou Dylan desconcertado, incrédulo, mas sem tirar-lhe o bom humor. “Ainda bem que conseguiram tirar ela de cima de mim”, comentou para a platéia.

Ovacionado por milhares de pessoas emocionadas ele deixou o palco, para logo em seguida voltar com “Thunder On The Mountain” – de Modern Times. Lado a lado na platéia, um senhor de 46 anos, um jovem rapaz de 22 e uma garota de aproximadamente uns 18 cantavam juntos e de olhos fechados os versos de “Blowin´In The Wind”, derradeira canção do show. Somente um músico e artista da magnitude de Bob Dylan que atravessou quatro décadas, sempre inquieto, contestador e em busca de uma identidade musical e filosófica, que talvez nunca seja realmente encontrada, é capaz de unir gerações tão distantes numa mesma noite e no mesmo local para reverenciá-lo.

Otto Herok Netto

Comentários

preambulante disse…
vai escrever, vagabundo!

há braços

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